Sobre livros emprestados e pessoas que deixamos ir

Por vezes não conseguimos dizer não quando alguém nos pede um livro emprestado. Como amante de livros, me peguei sentindo falta daqueles que emprestei e que sei que nunca serão devolvidos, e aproveitei para meditar sobre esse assunto e descobri coisas novas e reveladoras sobre o que as minhas emoções estavam me dizendo. Este texto é uma oportunidade de inspiração e aprendizado para quem sente falta dos livros emprestados e sobretudo para quem tem dificuldade de deixar algumas pessoas simplesmente saírem da sua vida.

Livros, como os adoro. Eu recorro a eles a todo momento, seja no trabalho para tirar alguma dúvida, buscar alguma informação ou até mesmo informação. Seja para ler no sofá por horas, relaxando o corpo e descansando a mente de tantos pensamentos difíceis que costumam surgir. 

Logo na minha adolescência eles viraram o meu refúgio e a minha rota de fuga, enquanto eu lia um livro me sentia livre (diferente da vida real que se baseava em obedecer pais, professores e lidar com outros adolescentes).

Hoje eles são um prazer, um momento de descontração, de aprendizado na maior parte das vezes, mas sobretudo uma fonte de enriquecimento desta vida que adoro viver. Hoje leio com presença mesmo quando me deixo levar pela leitura, e considero uma aventura maravilhosa. 

Entretanto me peguei sentindo falta de alguns livros com certa frequência, “ah aquele livro”, “ah.. aquele outro tinha tal informação”, por vezes falta só mesmo a presença deles na minha estante. Livros que foram emprestados.

Julguei essa sensação como apego num primeiro momento, mas sabia que não era só isso, afinal, não sou tão apegada a coisas assim, posso ficar triste num primeiro momento, mas logo supero… e trouxe a minha curiosidade para este lugar de sensações desconhecidas no meu corpo. 

Notei que, por incrível que pareça, todos os livros que foram emprestados e entretanto não foram devolvidos, e dos quais eu sentia falta, estão com pessoas que já não fazem mais parte da minha vida.

Pessoas que me magoaram, que me fizeram duvidar de mim mesma, que abusaram da minha boa vontade, que me decepcionaram, enfim. Olha que interessante, a falta desses objetos traziam a tona mágoas do passado, alguns nem tão distantes assim. 

Com isso, decidi me cuidar, cuidar dessas mágoas para não sentir falta de livros e muito menos sentimentos difíceis por pessoas que sei que não merecem a minha atenção, e muito menos o meu sofrimento. 

A parte mais fácil veio primeiro. Listei todos os livros que senti falta, eram 4 no total (nem são tantos assim, um alívio diante do que eu estava sentindo), dois sobre alimentação e receitas saudáveis que li e usava muito quando a minha filha começou a comer e até ela fazer 6 anos (altura em que emprestei os livros), um sobre mindfulness e um sobre o corpo feminino. 

Bem, eu posso comprar novamente estes livros. Já os coloquei na minha lista de “livros que quero ler” e pronto. Esta lista é enorme e me presenteio com um livro por mês, eles vão vir quando eu sentir vontade de lê-los novamente, estou tranquila com isso. Literalmente um peso tirado dos meus ombros. 

Agora a parte mais difícil era lidar com a mágoa, mas não foi tão difícil quanto eu esperava. Pensei em cada situação que passei com cada pessoa e vi que não existe em mim vontade de entrar em contato, de dizer alguma coisa para elas, ou até mesmo de estar perto delas. Percebi que não sentia falta delas, e que na verdade estava apegada aos sentimentos duros associados à elas, talvez com medo de passar por isso de novo, não sei. 

E sabe, não me interessa saber os porquês sequer. Eu escrevi num papel tudo que aprendi e cresci com essas interações. Algumas duraram anos, outras meses. Sou grata por tudo o que aprendi e grata por ter aprendido e por saber que hoje reconheço uma pessoa com intenções incoerentes com as minhas mais rapidamente e tenho uma prova engraçada disso. 

A última pessoa que me pediu um livro emprestado, num primeiro momento eu disse que sim, mas deixei rolar, me deixei esquecer o pedido. Quando o pedido foi repetido pela terceira vez eu disse: “sinto muito, não posso emprestar porque uso os meus livros com frequência no trabalho.” Fico até emocionada de pensar que fui capaz de dizer não com naturalidade e gentileza.

Esta pessoa foi, também deixando uma mágoa em mim, mas foi em 3 meses (tempo recorde) e não levou um livro meu 😁

Nós vivemos em constante mudança, a vida é assim e tanto nós como as outras pessoas mudam, nem que seja a percepção a respeito da outra, e está tudo bem. 

O que importa é nos sentirmos bem por respeitarmos quem somos, os nossos princípios, os nossos limites. Eu me permiti me perdoar por ter deixado que fizessem o que fizeram comigo, afinal eu fiz o meu melhor e mereço me sentir livre agora de qualquer peso. 

Está tudo bem em deixar pessoas irem das nossas vidas. 

É só mais uma mudança da qual somos capazes de viver. E embora não seja legal levarem livros, são só objetos e por mais importantes que sejam pra você, é muito melhor comprar um novo ou encontrar um novo amuleto do que sentir a falta dele constantemente. 

Além disso, eu também deixo muitos livros simplesmente irem também. Alguns não fazem sentido para mim, ou não gosto, ou decido oferecer para alguém que sei que vai se beneficiar muito dele. Mas a escolha é sempre minha neste assunto. 

O que vem à sua mente depois desta leitura?  

Com carinho,

Cíntia

Picture of Cintia

Cintia

Bióloga, Professora de Mindfulness Neurocognitivo, Coach e Terapeuta Holística em formação, dentre outras coisas. A minha intenção ao escrever é sobretudo partilhar a minha humanidade. Por vezes pura e simplesmente, por vezes trazendo informações científicas e mais que relevantes para o nosso desenvolvimento. O meu propósito de vida é cuidar e sei que quando temos informações, temos liberdade de escolha e que quando partilhamos a nossa humanidade, nos sentimos acompanhados. Vamos juntos.

partilhar este artigo:

Facebook
Pinterest
WhatsApp
LinkedIn

Aulas individuais

para desenvolver os seus recursos de autocuidado e compaixão, construindo autonomia na manutenção do seu bem-estar. Aulas individuais.

para nutrir a alma

neuroplasticidade cérebro neurociência viver bem treinar a mente mindfulness

“Estou velho demais para aprender algo novo”, só que não

Conhecer o funcionamento do nosso cérebro é determinante na percepção de como estamos e no nosso processo de escolhas conscientes. Hoje vamos conversar sobre o potencial ilimitado de aprendizagem do cérebro, a forma como ele se transforma e cria novas conexões ao longo de toda a vida, de forma que ninguém é velho demais para aprender algo novo, muito pelo contrário.

ler mais