Uma carta para minha mãe

Aqui partilho a carta que escrevi para a minha mãe no dia do seu aniversário. Num momento em que me encontro mais em paz no processo de luto e na relação comigo mesma, me permitindo sentir amor e saudade. Ela partiu há alguns anos após sofrer anos com a presença de um câncer no seu organismo e o que aprendi desde então é motivo para este projeto existir. Aproveite.

SENTIR E ACOLHER A VIDA ENQUANTO ELA ACONTECE: LUTO

Querido leitor, hoje é o dia em que a minha mãe faz anos e decidi lançar este blog não foi atoa. Veja bem, ela não está mais entre nós e muito do que eu vou partilhar neste blog só existe por causa do sofrimento dessa pessoa tão especial. 

Trata-se de uma partilha muito pessoal, você vai ler o que escrevi no meu momento de reflexão e sinto-me feliz por acontecer assim. 

Essas são as minhas palavras, essa sou eu. E é desta forma que quero te dar oficialmente as boas vindas a este espaço ♥ 

Boa leitura!

Aveiro, dia 21 de julho de 2023

Olá mãe, como você está? 

Sabe que por vezes eu te imagino a dançar sobre nuvens cor de rosa, cheia de luz, satisfação e alegria. 

Queria que você soubesse que estou bem, sinto-me bem. Depois que você partiu, sonhei com você vezes sem fim, e foram sonhos difíceis… tão difíceis quanto o que você passou nos seus últimos anos de vida. 

Entretanto o último foi um abraço quente, honesto, livre, e repleto de amor incondicional e de entrega. Foi realmente bom, acordei emocionada e com o coração cheio.

As lembranças que tenho da sua vida me inspiram a cada dia, a cada minuto. 

A princípio me inspiraram a fugir da situação que você viveu. A me cuidar para não passar o mesmo que você passou. Foi uma luta, afinal eu via em mim um reflexo de quem você era. Tanto no meu próprio corpo, na textura da pele, no cheiro, na aparência física; quanto na minha forma de pensar e de agir. 

Notei, naquela fase os seus padrões em mim: a forma de se doar sem limites para ajudar os outros, a forma como aguentava o mundo sobre as costas, a forma como pensava mal da própria aparência, a forma como valia se esforçar e sofrer porque um dia valeria a pena. E isso acabou, por um tempo, sufocando as coisas boas que também aprendi com você.

Bem, neste momento não luto e nem fujo (Ufa!). Passei por muita coisa nos últimos anos e tenho coisas valiosas a meu favor. A primeira é a Ivy, que emana uma luz mais quente e brilhante que o sol, a segunda é o Keny, que me apoia da forma que preciso na maior parte do tempo e que é um verdadeiro amigo com quem posso contar e partilhar (além de todo o resto, é claro). Tenho também os meus bichos, o Chuzão, a Chuzinha e a Duda, que trazem suavidade para a minha vida e, por fim, tenho a distância da nossa família. 

Imagino que em determinada altura você achou que estar longe da família era algo ruim, afinal “a família precisa se apoiar e estar unida”. Mas eu espero que você entenda o quanto a distância me fez bem e me deu liberdade para me desenvolver e, principalmente para ser quem realmente sou. 

Neste momento, mãe, sinto que desfruto da vida como ela é, imperfeita como ela é, linda como ela é, difícil pra caramba como ela é. E ao invés de virar as costas para o desconforto, tenho sentido nele um motivo para me manter acordada, para me manter presente. A minha perspectiva de ver o mundo mudou de uma forma que eu não esperava, e agora me empenho em amar quem sou e amar a minha vida, e isso é muito valioso. 

E tudo isso graças a você e ao seu sofrimento. 

Bem ou mal, no que começou como uma busca desenfreada encontrei o meu propósito e agora tento ‘apenas’ ser quem sou. Tenho conseguido mudar para melhor a vida de outras pessoas assim, mãe, dá para acreditar?! Pessoas que me valorizam pelo que sou e as palavras que falo, pessoas que confiam em mim, e das quais eu retribuo a confiança. E esses processos acontecem com uma honestidade radical e humildade de perceber que, definitivamente, não sei tudo e nunca vou saber… é tão bom que sinto-me infinitamente grata por isso. 

Nem tudo é cor de rosa, é claro, mas da última vez que caí na besteira de deixar que ultrapassassem os meus limites, percebi mais rapidamente, e embora tenha sido difícil não agir como a minha raiva queria, fui capaz de ser fiel ao que acredito e de me manter calma. Inacreditável, não é mesmo? 

Não queria que você tivesse sofrido tanto, não mesmo, mas infelizmente o passado está fora do nosso alcance. Sendo assim, me esforço para que ele não tenha sido em vão. Ele me ajuda e vai ajudar muita gente, querida mãe, a aprender com ele sem senti-lo na pele. Sei que você gostaria disso. 

Para acabar, queria dizer que tenho nas mãos uma carta que você escreveu para mim quando fiz 12 anos e nela você dizia:

“Cíntia, querida, 

Você reflete a serenidade com seu sorrisinho maroto, 

Você reflete o carinho, com seus abraços diários,

Você reflete a alegria quando pula, dança e canta pela casa, parecendo um pirilampo. Deixa pela casa, um rastro de luz marcando os seus passos.”

E digo, querida mãe, que me sinto como essa pessoa que você descreve, mesmo depois de tudo o que passamos, mesmo depois de estar tanto tempo desacreditada e buscando sentido em tudo. Me sinto assim porque essa sou eu, alguém que se diverte com a sua criança interior, sabendo que não é propriamente ela. 

Agradeço por ter feito sempre o melhor por mim.

Foi maravilhoso ter vivido com você e é maravilhoso ser a sua filha. 

Vou acender agora mesmo uma velinha para te enviar luz ♥

Um abraço mais que apertado,

Da sua filha que te ama,

Cíntia  

Picture of Cintia

Cintia

Bióloga, Professora de Mindfulness Neurocognitivo, Coach e Terapeuta Holística em formação, dentre outras coisas. A minha intenção ao escrever é sobretudo partilhar a minha humanidade. Por vezes pura e simplesmente, por vezes trazendo informações científicas e mais que relevantes para o nosso desenvolvimento. O meu propósito de vida é cuidar e sei que quando temos informações, temos liberdade de escolha e que quando partilhamos a nossa humanidade, nos sentimos acompanhados. Vamos juntos.

partilhar este artigo:

Facebook
Pinterest
WhatsApp
LinkedIn

Aulas individuais

para desenvolver os seus recursos de autocuidado e compaixão, construindo autonomia na manutenção do seu bem-estar. Aulas individuais.

para nutrir a alma

neuroplasticidade cérebro neurociência viver bem treinar a mente mindfulness

“Estou velho demais para aprender algo novo”, só que não

Conhecer o funcionamento do nosso cérebro é determinante na percepção de como estamos e no nosso processo de escolhas conscientes. Hoje vamos conversar sobre o potencial ilimitado de aprendizagem do cérebro, a forma como ele se transforma e cria novas conexões ao longo de toda a vida, de forma que ninguém é velho demais para aprender algo novo, muito pelo contrário.

ler mais